De perto, nenhuma família é normal e para o premiado diretor japonês Hirokazu Kore-eda isso está claro desde seus primeiros filmes. Em “Broker – Uma nova chance” – filme que estreia no circuito nacional neste dia 6 de abril – ele retorna ao seu tema preferido: a criação dos laços familiares. Dá carona ao seu interesse em trabalhar com o astro do cinema coreano Song Kang-ho (“Parasita”, “O Hospedeiro”) e traz um road movie intimista rodado na Coréia do Sul, entre Busan e Seul.
O filme começa numa noite chuvosa, com uma mãe deixando seu bebê no orfanato de uma igreja local, sendo observada ao longe por duas detetives. Uma delas pega o bebê que é deixado no chão e o coloca na caixa, e a criança acaba nas mãos dos dois “brokers” do título: Sang-hyun (Song Kang-ho) dono de uma lavanderia e Dong-soo (Gang Dong-won), que trabalha nesse orfanato. Eles ganham dinheiro com um esquema de venda dos bebês abandonados para casais que não podem ter filhos e estão dispostos a comprá-los no mercado negro. Só que a mãe se arrepende, volta e acaba descobrindo a trama da dupla.
Dirigido, escrito e montado por Kore-eda (dos premiados “Assunto e Família” e “Ninguém pode saber”), “Broker” é mais um estudo sobre a formação das estruturas familiares que se criam independente da idade, sexo, origem ou laços sanguíneos. E ele traz luz a um problema estrutural muito presente na Coréia: o abandono de crianças.
Como acontece em seus outros filmes, a história se desenrola sem julgamentos: o diretor é mais interessado na jornada das personagens, com suas fraquezas e defeitos, do que numa moral propriamente dita. E chega, inclusive, a pontuar: até que ponto deixar seu filho para adoção é ser menos mãe, ao passo que essa mãe deseja um futuro melhor para aquela criança? E ainda: por que a nossa sociedade culpabiliza as mães, mas ignora os pais?
Outro ponto interessante que o filme aborda é nossa visão da maternidade, tida socialmente como natural e automática no nascimento, em contraponto com a paternidade “adquirida”. Em “Broker”, esses arquétipos são questionados a todo momento, mostrando que tanto maternidade quanto paternidade também podem ser desenvolvidas e conquistadas.
Tudo aqui é lindamente imperfeito, inclusive o carro com a porta danificada, surgindo como metáfora de acolhimento e resistência, apesar das dificuldades. E ao longo das duas horas de projeção, esse grupo heterogêneo vai se transformando em uma família e criando laços. Pequenos gestos são repletos de significado, ternura, carinho e afeto. As cenas mais bonitas da formação desses laços acontecem com a presença da água como um símbolo de renovação para essas personagens solitárias: o ato de lavar o passado dá espaço para um novo futuro, uma nova família. Eis aqui mais um legítimo Kore-eda: agridoce e delicado, questionador e aconchegante. Sem buscar por um final perfeitamente feliz, pois sabe que a vida não é.
Siga a gente por aqui, todas as semanas trazemos dicas de filmes, docs e séries, além de spoilers fresquinhos pra você espalhar por aí!
::
Instagram: @sqlvs.podcast
Twitter: @podcast_sqlvs
Email: contato@sqlvs.com.br