Um dos animes mais populares no Brasil é outra vítima de live action ocidental que parece não entender o original oriental.
No dia seguinte ao lançamento de “Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo”, estava eu lá, com mais seis pessoas no cinema, para assistir à versão dublada (nostalgia tem que ser completa). Meus companheiros de sala levantaram e saíram várias vezes durante as quase 2h de filme, mas eu não, permaneci firme, aguentei a vontade de ir embora de vez. Porque, mesmo sem ter visto nenhuma opinião sobre o filme, eu tinha certeza do que ia dar. Mas, mesmo assim, estava eu lá.
E aqui vale uma breve explicação. Desde 1994, quando o anime clássico estreou lá na Manchete, eu sou fissurado por Cavaleiros do Zodíaco. Eu assisti várias vezes as sagas do Santuário, Asgard e Poseidon na Manchete (e fui ao cinema assistir os longas que saíram no meio); depois parti pra Internet pra ver a excelente saga de Hades, aproveitei quando a Netflix colocou Lost Canvas por lá e assinei o Crunchyroll só para ver a minissaga dos Cavaleiros de Ouro (e eu sei, tem mais aí que eu acabei pulando ou esqueci agora). Eu colecionei os bonecos, joguei no Playstation, enfim, estou longe de ser um especialista, mas eu gosto a ponto de ter assistido o longa de 2014, já em 3D, que até tem o seu valor, e a série da Netflix, que é o começo do problema.
O anime da Netflix parece que entrou em umas de querer “modernizar” e “ocidentalizar”, algo desnecessário, já que o original já era uma história global. Nisso, descaracterizam ao trazer um grupo paramilitar para um universo que sempre foi bem por fazer uso de astrologia com mitologia. E, infelizmente, “Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo”, parece ser justamente um live action desse anime. O filme é escrito por Josh Campbell, Matt Stuecken (Rua Cloverfield, 10) e Kiel Murray (Carros, Raya e o Último Dragão) e dirigido pelo polonês Tomasz Baginski, no seu primeiro longa. Percebeu? Nenhum oriental envolvido, ou seja, nenhuma surpresa com o (mal) resultado.
O cavaleiro de Capricórnio na breve, mas boa sequência do prólogo do filme. (Imagem: Divulgação)
Bom início
O começo é interessante, a gente vê brevemente o drama de Seiya (Mackenyu) com a irmã Seika, vê ele despertando rapidamente o cosmo em um flashback e já vai para uma luta. Eu achei que fosse o clássico torneio dos cavaleiros de bronze. Mas, não, era só um ringuezinho tosco, onde o Cassios (Nick Stahl), um personagem que só serve para fazer bullying e despertar o cosmo de Seiya na saga do Santuário, surge como um dos vilões do filme.
Mas a luta é legal, bem filmada, até a gente descobrir que Seiya ainda não sabe nem o que é “cosmo”. Isso já desanima, especialmente porque, nessa luta, como em várias outras, o Seiya toma trocentos socos na cara e não sai uma gota de sangue. Quem viu os animes sabe que tem rios, oceanos de sangue. As crianças dos anos 90 viam isso tranquilamente tomando Mupy às 18h, mas, as de hoje aparentemente não podem ver nem uma gota.
E, pior ainda em certo momento, quando tem uma explosão gigantesca que joga o Seiya longe, depois de ter tomado outro zilhão de socos na cara, ele chega a apagar de tanto que apanha, aí levanta dos escombros cheio de hematomas (só isso, sem sangue), ajoelha para fazer uma autoanálise e volta como se tivesse saído de uma câmara criogênica. É…
Seiya e Cassios em um duelo que remete (mas só remete) ao anime original. (Imagem: Divulgação)
Tá, mas e as armaduras?
Os animes dos Cavaleiros do Zodíaco tratam muito bem as armaduras. Elas quebram, são reconstruídas e melhoradas (com muito sangue!), evoluem, têm vida. Eu não esperava o mesmo grau neste filme, que entrega só um mínimo nesse sentido. Primeiro, tem o fato de que seguem a tosquice de colocar as armaduras em pingentes. Legal, mesmo, é andar com aquelas caixas enormes e pesadas, faz parte de ser um cavaleiro. E, ok, no filme, na primeira vez que o pingente desperta a armadura de Pégaso, ela sai de uma caixa, menos mal.
Mas, pior ainda são as armaduras em si. A primeira que o Seiya veste é a armadura simples, lá do começo do anime, nem era de Pégaso, e é até interessante isso de parecer que a armadura vai evoluindo, apesar de não ser nada eficiente quanto no original. Mas, quando ela evolui mesmo, na hora em que Seiya vai salvar Saori, parece uma armadura de couro, é opaca, sem vida. É injustificável um live action de CdZ tratar tão mal a armadura do seu principal personagem. Já a armadura do Ikki é mais legal, parece mais com a do anime, tem vida e tudo mais.
Ah, um detalhe que poucos fãs dos animes vão perdoar: os cavaleiros até dão os golpes clássicos, mas sem falar os nomes! Ou seja, não passam de soquinhos com CGIs. E os efeitos especiais até demonstram um esforço, mas ficam abaixo do que se espera.
Seiya desperta a armadura de Pégaso, que vem de uma caixa! (Imagem: Divulgação)
Os personagens
Entre os personagens, o Alman Kido de Sean Bean até que tem uma vibe ligeiramente parecida com o original, mas a esposa dele, Guraad (Famke Janssen), a grande vilã, é horrível em tudo, desde as ações até as motivações. É outra invenção do anime da Netflix, a comandante do grupo paramilitar, uma vilã para a qual tentam dar complexidade, mas não é nada convincente. Mylock (Mark Dacascos), o capanga de Kido, até que vai bem, mas mais pelo esforço do ator. Agora, a Saori/Athena (Madison Iseman) não tem salvação. Primeiro que ela deveria ter 18 anos, mas parece ter uns 30. E é até legal aquilo de ela estar despertando e o cabelo ir ficando roxo aos poucos. Mas ela acaba parecendo mais uma personagem de Dragon Ball do que de CdZ.
O Ikki (Diego Tinoco) aparece pouco, mas deve ser o personagem mais condizente com os animes. E o Seiya também é até um esforço válido por parte de Mackenyu. O problema é que o roteiro não ajuda, primeiro, com um monte de piadas sem a menor graça e, segundo, com o monte de drama que jogam sobre ele e que chega a ser irritante de tão cansativo.
E é isso. Está esperando eu falar de Shiryu, Hyoga, Shun, cavaleiros de prata, cavaleiros de ouro? Pois, eu também esperava encontrar pelo menos mais alguns no filme. Mas, como o nome diz, é a origem do Seiya, mal tem a Marin. O filme tem quase 2 horas de muito drama, ciborgues, vilã sem braço e afins, mas Cavaleiros do Zodíaco, mesmo…
Athena, como sempre, em um drama. Mas, desta vez, nada interessante. (Imagem: Divulgação)
Uma faísca de cosmo
Mas, não está tudo absolutamente perdido. As lutas, por exemplo, têm bons momentos, como a de Seiya contra Ikki. O prólogo, com o cavaleiro de ouro de Capricórnio lutando no céu com o de Sagitário, que protege a bebê Saori, também é legal e chega a dar uma empolgada. E dá para ver que os realizadores mostram, em certos momentos, que conhecem o anime, como na caixa e na própria evolução da armadura.
Fica claro que estão tentando dar início a um universo e, agora que está estabelecido, podem ir para o que interessa, inclusive porque, aparentemente, não vai ter mais ciborgues. Eu acho difícil que tenham outra chance, mas, se tiverem, vou estar eu lá…
Poltronas amarelas: 25
Siga a gente por aqui, todas as semanas trazemos dicas de filmes, docs e séries, além de spoilers fresquinhos pra você espalhar por aí!
::
Instagram: @sqlvs.podcast
Twitter: @podcast_sqlvs
Email: contato@sqlvs.com.br