Medusa Deluxe

Medusa Deluxe

Essa é uma história sobre cabelos e penteados, e também sobre a construção da nossa imagem e a dos outros

Imagine passar horas no cabeleireiro quase todas as semana com a sua mãe. O que poderia se tornar um trauma virou paixão e uma das inspirações para “Medusa Deluxe”, o longa de estreia do diretor Thomas Hardiman, conterrâneo da rainha do suspense Agatha Christie e que também respira o gênero desde criança. Mas, ao invés do clássico filme de detetive, ele resolveu desconstruir o estilo adicionando um tom cômico.

A história se passa nos bastidores de um concurso regional de penteados onde um dos participantes, Mosca, é encontrado morto. Filmado quase todo em um engenhoso (e falso) plano-sequência que cria uma fluidez invejável na história, o filme simula a ideia de tempo real durante uma competição. E vale lembrar que, além do orçamento bem modesto, a produção foi filmada em parcos 9 dias. 

Com um elenco potente, que inclui Kae Alexander, Harriet Webb e Luke Pasqualino – todos sustentam muito bem os longos planos-sequência cheios de diálogos – a história começa com duas hairstylists (cabeleireiras não!), Cleve (Clare Perkins) e Divine (Kayla Meikle), conversando em um dos camarins sobre o assassinato que acabou atrapalhando o concurso. Em uma disputa como essa todos têm um mesmo objetivo: ganhar a competição. Mas aqui, ao invés de cada um apenas tentar se superar em suas criações, os participantes também se unem com o objetivo de descobrirem o assassino que escalpelou Mosca, bem como suas motivações.

A partir dessas pequenas conversas e de fofocas, que parecem as corriqueiras dos salões de cabeleireiros, são revelados pequenos detalhes que contam quem foi o assassinado, as relações dele e quais motivos os personagens teriam ou não para querer vê-lo morto, para além do óbvio “eliminar o concorrente no concurso”. Em todas as cenas a câmera se move como se dançasse ao redor das personagens, procurando por respostas no que vemos e no que dizem. Mas ela também quer que nós desvendemos o mistério.

Entre penteados deslumbrantes que desfilam pela tela e as intrigas que se acentuam entre as personagens, temos pequenas pitadas de ironia com o toque do celular de René (Darrell D’Silva) com “West End Girls”, do duo britânico Pet Shop Boys, que nos lembra que mesmo entre todas as extravagâncias esse é também um filme crítico aos problemas sociais.

Além das pressões do próprio concurso e da investigação em percurso, temos as pressões e dificuldades cotidianas de um país ainda bem dividido entre a burguesia e os trabalhadores, “aparthados” econômica e socialmente. E por diversas vezes são questionadas as oportunidades dos trabalhadores, o que cada um tem que fazer para conseguir manter e suas famílias.

“Medusa Deluxe” é uma história sobre cabelos e penteados, mas também sobre a construção da nossa imagem e a dos outros. Como nos apresentamos, como somos vistos, como criamos uma imagem turva sobre quem somos.

Em uma das cenas, Divine se olha no espelho com o bebê no colo e reflete sobre o fato de ser uma pessoa que constrói a beleza nos outros e não se observar. Ela enxerga tanto os outros, mas não se vê no espelho, na realidade. Partimos de um microcosmo do universo dos holofotes do concurso, onde as modelos são observadas dos mais diversos ângulos para serem avaliadas pela imagem que outros construíram nelas, para o nosso mundo das redes onde todos querem ser vistos o tempo todo.

Observamos a construção de imagens sem questionar muito o que há por baixo do véu, ou da imagem que criamos de nós mesmos. Por vezes, queremos tanto ser vistos que não enxergamos o outro. O segurança Gac (Heider Ali) surge também como a representação das pessoas do nosso dia a dia que não vemos, seja porque não tentam criar uma imagem a todo custo, por ignorarmos os menos favorecidos ou porque não precisamos deles, e sua presença mostra como a atenção, o “ser visto pelos outros” muda a forma como nos sentimos.

Quem ganha no final é o espectador, que se verá envolvido de diversas maneiras, diante de uma linda homenagem à criatividade desses profissionais. Por trás do mundo das aparências está a real beleza das pessoas, nas suas atitudes e trabalhos. E fica o aviso: não deixe a sala assim que o mistério parecer solucionado. O final vem acompanhado por uma saborosa surpresa musical.


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