Pense aí, o que você faz num período de 7 anos? O diretor britânico Gareth Edwards usou esse tempo para criar “Resistência”, o seu quinto longa-metragem e só o primeiro após o festejado (inclusive por mim) “Rogue One: Uma História Star Wars”, lá de 2016. Foram 7 anos em que ele escolheu ficar longe do cinema para evitar cair no moedor de diretores de Hollywood. Será que deu certo?
“Resistência” é uma ficção científica que se passa em um futuro distópico no qual os seres humanos haviam integrado totalmente robôs e inteligências artificiais nas suas vidas. Essas máquinas evoluíram e ganharam vontade própria, até que um incidente ocorrido nos Estados Unidos acabou gerando uma guerra entre o ocidente e o oriente, onde as IAs convivem com os humanos. Dentro desse contexto, o sargento Joshua Taylor (John David Washington) recebe a missão de dar fim a uma grande arma criada pelas IAs, só que, claro, o buraco é bem mais embaixo.
Resistência é tão original assim?
E aí eu volto à pergunta: “Gareth Edwards conseguiu se livrar do estigma de Hollywood com esse filme?”. A resposta é “sim e não”. Eu sempre vou defender ideias originais, como já comentei no SQLVS, gosto até do controverso “O Destino de Júpiter”, das irmãs Wachowski. Ocorre que foram 7 anos para fazer um projeto que se distanciasse de Star Wars, que é uma das coisas mais mainstream do universo, e o que a gente vê é que o “Rogue One” de Edwards teve mais frescor do que este projeto original que ele ficou tantos anos cozinhando.
Porque aqui o que ele fez foi jogar no liquidificador uma montanha de referências. Só pra citar algumas, logo no começo, vemos imagens da relação entre humanos e robôs, que remetem a “Distrito 9”. E tem outro filme do Neill Blomkamp referenciado, “Elysium”, por conta de uma poderosa estrutura que fica no ar. Os humanos com membros biônicos e a questão da “humanidade robótica”, assim como a cidade meio cyberpunk pela qual Joshua passa na Nova Ásia remetem a “Ghost in the Shell” e “Blade Runner”, claro. Eu senti também algumas notas de “Akira” em uma personagem, também dá para colocar “Exterminador do Futuro” na receita…
Aliás, falando dos últimos dois filmes de Edwards, “Rogue One” e este “Resistência”, há muitos paralelos. Os dois são sobre um grupo de pessoas resistindo ao imperialismo e tendo que lutar uma guerra. Tanto os Estados Unidos de “Resistência” quanto o Império de Star Wars são entidades carniceiras, que massacram sem dó os opositores. Nos dois filmes o foco é acabar com a grande arma inimiga, enfim, Edwards pode ter saído de Star Wars, mas até agora Star Wars não saiu dele.
E muito disso vem do corroterista Chris Weitz, que havia escrito “Rogue One” e filmes como “Um Grande Garoto” (que ele também dirigiu) e que apontam os rumos da história por aqui.
O que Resistência tem de bom?
É importante lembrar que “Resistência” custou US$ 80 milhões, praticamente um dinheiro de troco perto dos orçamentos de hoje. E isso torna ainda mais impressionante o que o filme atinge em outras frentes, começando pela ambientação. O futuro pós-apocalíptico é muito bem construído. Gareth Edwards, que aqui tem como diretor de fotografia o ótimo e oscarizado Greig Fraser (“Batman” e “Duna”), consegue criar um filme de larga escala, que apresenta um mundo grandioso. E, sim, tem momentos em que a tela verde fica evidente, mas, na maior parte do tempo, o filme é bem convincente e os CGIs são bem executados. Também tem uma mescla interessante de cenários naturais da Tailândia, onde parte do filme foi rodado, com as tomadas em estúdio.
O design de som também chamou a minha atenção pela integração da tecnologia naquele mundo e também pelo uso da trilha sonora, que é boa. Cito em particular uma sequência com “Everything is in the Right Place”, do Radiohead, quando a equipe do exército norte-americano vai fazer sua primeira incursão no território da Nova Ásia. É impressionante a forma como a música toma a sala, que tinha o sistema Dolby Atmos, é bom observar, nem todo mundo vai ter a mesma experiência.
A temática atual de Resistência
Além da parte técnica, Resistência também vai bem na questão temática. É verdade que em muitos momentos a mensagem é jogada demais na nossa cara. Eu sei que os Estados Unidos são maus, eu sei que a reação deles é desproporcional, eu sei que agem com crueldade e até desumanidade contra opositores. Do outro lado, ficou bem claro que é possível humanos e IAs conviverem pacificamente, eu sei que eles não querem a guerra, que estão apenas se defendendo. Tudo isso fica evidente pelas ações e acontecimentos do filme, não era preciso ficar colocando inúmeras vezes nas bocas dos personagens, não era preciso ficar forçando um melodrama e até a boa trilha sonora do Hans Zimmer algumas vezes, isso fez o filme cair em um maniqueísmo exagerado.
Agora, a crítica é válida. A luta contra dominações, tanto culturais quanto por violência, é uma realidade constante. E, no filme, nós vemos os Estados Unidos fazendo uma investida contra metade do planeta por um erro cometido por eles, assim como, no mundo real, ataques que eles sofreram nasceram de grupos que eles armaram em outros momentos. É aquele mesmo jogo de sempre, de ação e reação.
Elenco afiado
Muito do valor de “Resistência” está nas atuações. John David Washington é bom ator e a gente entende bem as motivações do seu Joshua Taylor. Apesar de que o desenvolvimento da relação dele com a IA Alphie (Madeleine Yuna Voyles) soa um pouco corrido, a virada parece meio abrupta demais. Mas, a atuação da pequena atriz faz diluir um pouco esse problema. É bem bonito ver o conceito de liberdade que foi imbuído nela e acompanhar ela descobrindo aquele mundo, por pior que seja para ela. O desenvolvimento de personagem dela é bem mais concreto.
E eu acho que os realizadores foram bem no que diz respeito aos poderes da garota, fica bem claro que ela ainda está longe do potencial máximo e, no ápice do filme, ela age de forma totalmente condizente com isso, por isso eu dou os parabéns para Gareth Edwards.
Já os vilões do exército estadunidense ficaram caricatos demais. Como eu disse, fica bem entendido que são carniceiros, o filme não precisa ficar repetindo a cada tomada deles. Tem um general no final do filme muito exagerado, com ações que não condizem com a situação. E infelizmente, a coronel Howell, de Allison Janney, vai pelo mesmo caminho. Ela é ótima atriz, vencedora do Oscar merecidamente em “Eu, Tonya” (ela faz a mãe da Tonya), mas o roteiro é o problema aqui. Até tentam dar um mínimo de complexidade para ela, mas não funciona muito.
Também é legal destacar o sempre bom Ken Watanabe, que tem uma participação pequena, mas que enche a tela. E Gemma Chan, que dá vida à misteriosa Maya.
O fim anti-Hollywood (sem spoilers!)
Apesar de estar muito apoiado nas referências, “Resistência” consegue trazer uma experiência prazerosa, especialmente com a tela grande e o som que o cinema pode proporcionar, mesmo com a gente sentindo um pouco as 2h13 de filme. E, claro, Hollywood consegue espremer qualquer bagaço, mas Gareth Edwards criou aqui um final definitivo, em um filme capaz de deixar um sorriso no rosto.
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